Bem, amigos e amigas, vou postar mais uma vez nesse blog aqui alguns textos que eu escrevi. Mas tem um detalhe. Se a qualidade deles é duvidosa, a morbidez é INQUESTIONÁVEL, ou seja, se não querem ficar tristes vão ler outros textos.
Eu não sou nenhum maníaco suicida, pra quem não me conhece.
Estão aí.
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Moça
Na morgue sombria, aguardava, sombrio
Bernardo e seu traje ensangüentado
Pelo corpo que vinha, sem pulso e frio
Imóvel, de olhos fechados
Chegado o corpo, feminino, esguio
E a alva pele de manchas maculada
Fez Bernardo sentir um cruel calafrio
E no peito uma dolorosa fisgada
Entortou-se para trás, afônico e tonto
E apoiou-se em um móvel qualquer
Plantou em seu rosto uma expressão de espanto
Ao notar que conhecia a mulher
Procurou, ansioso por alguma identificação
Onde estaria marcada?
Não havia seu nome, ou qualquer marcação,
Ela apenas morrera, e mais nada
O cadáver passara por um tratamento anterior
Estando limpo com muito asseio
Tornando visível como um esplendor
Um grande orifício em seu seio
Não teve coragem de começar a examiná-la
Antes de conhecer sua identidade
Abriu com os dedos seus olhos, cor de opala
E viu em seu reflexo a verdade
A princípio, lembrou-se vagamente
Do tempo que ainda estudava
E então, em sua mente e tão de repente
Surgiu a jovem que tanto amava
Os cabelos de cachos caindo
Por sobre os ombros tão finos
A boca rosada sorrindo
Encantando a todos os meninos
Lembrou-se dos dias imundos
Inteiros passados nos cantos
Olhando-a com seus olhos profundos
Agora desfeitos em prantos
Lembrou-se de como chorava
E cantava seu amor postergado
E de como se magoava
Por tão longamente ter-la amado
Arrependeu-se de não ter-la contado
Houvera a oportunidade uma vez
E chorou seu amor, mal amado:
Agora já era morta Inês.
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A velha
Ela girou a chave e entrou na sala de seu apartamento que fedia a naftalina e poeira. Nem acendeu a luz, pôs logo o saco pardo abarrotado de compras sobre a mesa de jantar e abriu as cortinas espessas para deixar a luz do sol invadir, dando vida aquela sala mórbida e senil.Os mais de sessenta e cinco anos pesavam por sobre suas costas, curvando-a. Seus cabelos grisalhos e em ondas prendiam-se em um coque malfeito, impedidos de cair por sobre seu rosto cheio de rugas típicas de velha.Sua velhice a envergonhava. Enraivecia-se por não poder mais cumprir as árduas tarefas domésticas, não poder limpar os cantos imundos e frios de sua casa soturna. Não poder trocar as inúmeras lâmpadas queimadas no seu teto.Envergonhava-se ainda mais de estar ultrapassada. De não conseguir usar o computador velho que apodrecia sobre a mesa do quarto de seu filho, que nunca mais a viera visitar.Sua expressão era de acentuada amargura. Ainda sentia a perda de ter sido abandonada pelo marido. De ter sido entregue às sombras e ao frio, como uma indigente.Colocou o LP do Vinícius que tinha na sua vitrola quase tão velha quanto a própria velha. E ouviu “Samba em prelúdio” uma, duas, cinco, oito, dez, doze vezes. Andou até seu quarto e viu o porta-retratos que trazia uma foto de três pessoas felizes. Era uma família. A mãe. O pai. O filho pequeno. Não era a velha. Não era seu marido. Ou seu filho. Poderia ter sido.Em muitos outros porta-retratos, pessoas diferentes sorriam para a velha, sempre em trios. Sempre os pais e o filho.A velha lembrou-se de uma vida que nunca teve e lamentou-se por não poder voltar àqueles tempos que nunca existiram.Mesmo muito emocionada, não derramou uma lágrima.Voltou à sala onde Vinícius agora cantava “Onde anda você” em outro disco. Pegou o saco pardo que arrebentou largando laranjas e tomates no chão imundo. A velha os observou e pulou-os, ignorando-os. Jogou os restos do saco pardo no lixo.Trocou o LP do Vinícius por um do Chico Buarque. Pegou o telefone e tentou o número da casa do filho insistentemente.Ninguém atendeu.As lágrimas começaram a cair de seus olhos, frenéticas. Quase jorrando. A velha não podia mais agüentar segura-las. Estavam fora de controle.Abriu a porta e ainda se ouvia Chico Buarque lá dentro. Andou até a escada enquanto ele estava no meio de “Pedaço de Mim”Ela não teve medo de sua decisão, pensara naquilo durante anos. O vão entre a escada que formava uma espiral de lá, do 10º até o saguão. Ela debruçou-se sobre o muro que protegia a queda, e tropeçou em sua própria mente. E flutuou no ar por alguns instantes, até se acabar no chão em tempo de terminar a música do Chico: “Leva os olhos meus, que a saudade é o pior castigo e eu não quero levar comigo a mortalha do amor, Adeus.”
Estão aí os textos. Façam o favor de comentar.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
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Um comentário:
Xoão, adorei a poesia, e o personagem Bernardo me parece ser familiar. A menina que está morta é bonita na forma que você a descreve. Muito bom. Bonita e gelada.
O segundo texto, tá ótimo. A velha está sofrendo mesmo. Digno de um curta.
Você é Mórbido, Funesto Mórbido.
Abra~ço.
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